Vírus Mayaro já circula nas regiões não endêmicas do país e especialista fala sobre possível epidemia

Segundo Fábio Medeiros da Costa, riscos de epidemias sempre irão existir se estiverem no mesmo ambiente circulando o vírus, o vetor e os humanos.
 
 

Pesquisas indicam que o vírus Mayaro está circulando na região sudeste do país (Rio de Janeiro e interior de São Paulo). A doença é transmitida pela picada do mosquito Haemogogus, que vive na mata. A preocupação dos especialistas é que ela possa ser transmitida também pelo mosquito Aedes aegypti.

O Portal Pragas & Eventos entrevistou o Biólogo Entomólogo Fábio Medeiros da Costa, que atua como consultor em Saúde Pública pela empresa Oikos Consultoria e Projetos.

Biólogo Entomólogo Fábio Medeiros da Costa
Portal Pragas & Eventos – Endemicamente, o vírus Mayaro circula na região amazônica, com transmissão pelo mosquito Haemagogus. Porém estudos confirmaram a circulação do vírus na região sudeste do país. No seu ponto de vista como especialista, há risco de uma epidemia da doença no próximo verão sob a transmissão do vírus mayaro pelo mosquito Aedes aegypti?    

Fábio Medeiros da Costa – “Riscos de epidemias sempre irão existir se estiverem no mesmo ambiente circulando o vírus, o vetor e os humanos. Contudo, é preciso considerar outros fatores como o tipo de vírus (linhagem) circulante, capacidade de virulência, infectividade e transmissibilidade pelos vetores. Além disso, há muitos primatas não humanos (macacos) que podem ser reservatórios dos vírus. Esses primatas são normalmente picados pelos Haemagogus e assim os vírus circulam naturalmente. Quando os humanos entram nesse ciclo se contaminam e é essa via de risco, pois levarão os vírus para as áreas urbanas, onde o Aedes aegypti está presente, podendo se contaminar e transmitir a outras pessoas. Os estudos em laboratório já apontaram que Aedes aegypti pode se contaminar e transmitir o vírus Mayaro, o que não se sabe ao certo é quanto é a sua capacidade de transmissão como vetor. Trocando em miúdos, se ele é eficiente o bastante para transmitir e deflagrar epidemias. Portanto, essas informações sinalizam para intensificar a vigilância no combate do vetor Aedes aegypti”.

Portal Pragas & Eventos – Quais as barreiras epidemiológicas para evitar uma epidemia do vírus mayaro no país. Há formas de prevenção?

Fábio Medeiros da Costa – “Quando se trata de arboviroses é muito complicado um diagnóstico precoce. Muitas delas apresentam manifestações semelhantes inicialmente, o que clinicamente é complicado diagnosticar. Os testes laboratoriais também são difíceis de serem aplicados. São de alto custo e o intervalo de detecção é baixo em relação a período de sintomas. A prevenção é mais importante nesse contexto. Contra os Haemagogus é importante evitar áreas de matas. Se for visitar esses locais, sempre usar roupas compridas, repelentes e reaplicá-los constantemente. Em fazendas, sítios ou hotéis de selva é importante a instalação de telas em portas, janelas e varandas. Usar mosquiteiros, especialmente os impregnados. Nas cidades os cuidados devem ser os mesmos e adicionalmente cuidar dos depósitos que necessitam armazenar água, cobrindo-os cuidadosamente para evitar que o Aedes aegypti ali se prolifere. Limpar os quintais, as calhas, ralos, terrenos baldios e acondicionar adequadamente o lixo para evitar acumular água das chuvas. Cuidados com imóveis fechados tampando vasos sanitários, instalação de telas em ralos e até água empossada no piso devem também ser feitos, pois o mosquito possui muitas estratégias para se reproduzir”.

Portal Pragas & Eventos – Os sintomas da Febre do Mayaro são semelhantes aos da chikungunya. Os profissionais de saúde estão preparados para identificar/ diferenciar a doença febril das demais?

Fábio Medeiros da Costa – “Infelizmente não. Essas doenças têm sintomas semelhantes e o diagnóstico não é fácil. O diagnóstico laboratorial (isolamento viral e biologia molecular) é de alto custo e nem sempre está disponível em todas as cidades. Existe também o diagnóstico da sorologia, que é uma prova indireta de que já ocorreu a infecção. Há vários kits de testes rápidos sendo desenvolvidos para melhorar o diagnóstico, porém, ainda não disponíveis em larga escala na rede de saúde para uso efetivo. Orientações mais detalhadas podem ser acessadas em: http://saude.gov.br/saude-de-a-z/febre-do-mayaro “.

Portal Pragas & Eventos – Para finalizar, poderia falar dos determinantes sociais da saúde, como a urbanização desordenada, por exemplo, e a sua relação com a saúde pública no combate do mosquito Aedes aegypti, transmissor de doenças de grande desafio para o Ministério da Saúde (Dengue, Zika, Chikungunya e febre amarela)? E agora possível vetor da Febre Mayaro?

Fábio Medeiros da Costa – “O Aedes aegypti é um mosquito extremamente adaptável às condições urbanas. Além disso, apresenta acentuado grau de antropofilia (preferência por se alimentar em humanos). O crescimento desordenado em muitas cidades e vilas no país favorece muito o desenvolvimento desse vetor, pois a falta de saneamento básico requer que pessoas acumulem água para suas atividades diárias. Além disso, as deficiências na remoção do lixo ou a própria falta de educação sanitária das pessoas (maus hábitos) fazem com que esses resíduos sejam acondicionados nas ruas e terrenos baldios, criando condições para que o mosquito se desenvolva. O descuido com quintais, criação inadequada de plantas e animais gera o acúmulo de água. E assim, nesses espaços o vetor pode procriar também. Os meios de transportes como aviões, embarcações e veículos podem também tanto transportar os mosquitos na forma adulta como imatura.

Nesse contexto, todas essas condições favorecem a reprodução e dispersão do mosquito. Por essa razão, dois grandes pilares para prevenir essas doenças são a educação sanitária e a intensificação da vigilância entomológica/epidemiológica.

A população precisa ser participativa no combate ao vetor, adotando hábitos mais saudáveis. E as vigilâncias nos municípios precisam ser mais atuantes dando cobertura total aos domicílios e demais instalações prediais, além de fiscalizar portos e aeroportos para evitar a entrada de novos mosquitos.

A urbanização desordenada impõe enormes desafios em saúde pública, pois ambientes insalubres geram muitos impactos em diferentes níveis de complexidade no Sistema Único de Saúde (SUS).

A falta de condições mínimas de moradia, de acesso a saneamento e serviços constantes de remoção de lixo provocam o desenvolvimento de agentes transmissores e causadores de doenças a humanos e animais, desequilíbrios ambientais e epidemias.

A invasão de áreas florestadas expõe as pessoas e os animais domésticos a agentes biológicos nocivos (alguns deles até desconhecidos pela ciência) podendo trazer sérias complicações para as populações que vivem nas cidades.

Com o crescimento econômico nos últimos anos, mais pessoas puderam viajar pelo país. Milhares de pessoas circulam desprotegidas entre as zonas endêmicas e não endêmicas das doenças, por exemplo, da febre Mayaro na Amazônia, e podem conduzir os vírus para outras regiões deflagrando surtos e epidemias.

No caso da Febre Mayaro, a doença pode ter transcurso benigno na maioria dos infectados, porém, dependo do estado de saúde de outras pessoas é possível surgirem quadros mais graves com severas complicações”.